24 de maio — Nossa Senhora Auxiliadora

Extraído de uma edição de 1928 do livro “Na Luz Perpétua — Leituras religiosas da Vida dos Santos de Deus, para todos os dias do ano, apresentadas ao povo cristão” 1

A festa de Nossa Senhora Auxiliadora é de data recente. Instituída por Pio VII, pelo Decreto de 16 de setembro de 1816, é mais uma confirmação brilhante da memorável profecia da Mãe de Jesus: “Eis que me proclamarão bem-aventurada todas as gerações.” (Lucas 1, 48).

Instituindo esta festa, a Igreja tencionou: 1°) comemorar um dos acontecimentos mais notáveis da história do cristianismo, em que Maria, dum modo tão patente, mostrou seu poder e 2°) animar os fiéis na sua confiança na intercessão de Maria Santíssima.

O acontecimento foi o seguinte: O imperador Napoleão I, cuja ambição não respeitava lei nem tradição, dedicava ódio ao Papa Pio VII por ter-se negado a declarar inválido o matrimônio que Jerônimo, irmão de Napoleão mui legalmente tinha contraído com uma filha protestante de um negociante da mesma religião da América do Norte. Sob um pretexto mentiroso mandou que o general Miollis, em 1809, ocupasse Roma e em nome do imperador declarasse: “Sendo eu imperador de Roma, exijo a restituição do estado eclesiástico, doação de Carlos Magno; declaro findo o Império do Papa.” Pio VII protestou contra esta arbitrariedade injustíssima e lançou a excomunhão contra Napoleão. A bula da excomunhão foi, por ordem do Papa, afixada na porta da catedral de São Pedro na noite de 10 para 11 de junho de 1809.

Às 2 horas da madrugada, o general Radet penetrou no palácio do Quirinal, onde encontrou o Sumo Pontífice em seu ornato Papal. Dirigindo-se a Pio VII, com voz trêmula, disse: “Cabe-me uma ordem desagradabilíssima; tendo, porém, prestado juramento de fidelidade e obediência ao meu imperador, devo cumpri-la: em nome do imperador vos declaro, que deveis renunciar o governo civil sobre Roma e os Estados Eclesiásticos e caso que a isso vos negardes, vos levarei até o general Miollis.” Pio VII, com voz firme e dignidade, respondeu: “Julgais ser vosso dever executar as ordens do imperador, a quem juraste fidelidade e obediência; deveis compreender de que maneira nós somos obrigados a respeitar o direito da Santa Sé, nós que estamos ligados com tantos juramentos! Não podemos renunciar ao que não nos pertence; o poder temporal pertence à Igreja Católica e nós somos apenas seu administrador. O imperador pode mandar fazer-nos em pedaços, mas o que ele de nós exige, não lhe daremos.” Radet conduziu então o Santo Padre com o Cardeal Pacca a uma carruagem, que já se achava de prontidão, fê-los tomar lugar, fechou a portinhola e levou-os, não ao general Miollis, mas até às fronteiras da França e de lá à prisão em Savona. O Cardeal Pacca ficou como prisioneiro em Fenestrella.

Napoleão tinha dado ordem para que fossem retiradas da companhia do Papa todas as pessoas de sua confiança, até seu confessor; foi-lhe impossibilitado o uso do Breviário e sua mesa era a mais frugal possível. Em tudo isto tinha-se pensado para intimidar o espírito do Papa e quebrar a sua resistência. Os maçons e inimigos da Igreja rejubilaram-se com a vitória sobre o Papado e seus órgãos já falaram de Pio, o último. Pio VII, porém, entregou, cheio de confiança, sua causa à Providência Divina e à Maria Santíssima, à Mãe de Misericórdia e fez o voto de fazer uma solene coroação da imagem de Nossa Senhora de Savona. O que contribuiu muito para aumentar os sofrimentos morais do Sumo Pontífice era a atitude duvidosa de cardeais italianos e franceses, que mostravam mais empenho em não cair no desagrado de Napoleão do que defender os interesses da Santa Igreja.

Em 1812, Pio VII foi levado a Paris. Embora muito doente, o Papa teve de fazer a viagem, já por si penosíssima, transformada em verdadeiro martírio pelas circunstâncias em que a mesma foi feita. Sem a menor comodidade foi o representante de Cristo tratado como um criminoso perigosíssimo. Seu estado de saúde piorou de tal maneira, que lhe foram administrados os últimos Sacramentos. Ainda assim, seus algozes não tiveram compaixão com o venerando ancião e que ele chegou vivo a Fontainebleau em Paris não podia ser senão por uma proteção especial do céu.

Repugna descrever as indignidades e injúrias de que foi vítima o vigário de Cristo. Sem que ninguém o pudesse esperar, as coisas mudaram de aspecto. Napoleão perdeu a batalha de Leipzig, e, cedendo à pressão formidável da opinião pública, deu a liberdade ao Papa, e no mesmo palácio onde tinha mantido preso o Papa, viu-se obrigado a assinar sua abdicação.

Pio VII voltou para Savona, onde cumpriu seu voto. Em presença de muitos Cardeais e Prelados, do rei Victor de Sardenha, da rainha María Luisa de Etruria, fez a coroação da imagem da Mãe de Misericórdia e no dia 24 de maio de 1814 fez a sua solene entrada em Roma debaixo de jubilosas aclamações do povo.

O Papa entrou outra vez no livre exercício do seu governo; foram restituídos os objetos de arte que os generais franceses tinham levado para a França e Napoleão, o grande conquistador, esperou como prisioneiro na ilha de Santa Helena, pela hora da sua libertação. Esta lhe soou seis anos depois, quando Deus o chamou para prestar contas ao eterno Juiz.

Pio VII atribuiu a vitória da Igreja sobre a Revolução, sua libertação das mãos dos seus inimigos à intercessão poderosíssima de Maria Santíssima, e para testemunhar e imortalizar sua gratidão, instituiu a festa de Nossa Senhora Auxiliadora.

Reflexões

Por que motivo é que a Igreja, a esposa de Jesus Cristo, deve passar por tantas tribulações e perseguições? Por que é que seu chefe visível, o Papa, é tantas vezes alvo dos mais rudes ataques? Humilhação maior não pode haver para a Igreja e seu chefe, que aquela que Napoleão lhe causou. Por que tudo isto?

São altos desígnios de Deus, que não nos compete indagar e citar perante o tribunal da nossa inteligência.

Deus mesmo no-lo diz pela boca do salmista: “O Senhor dissipou os projetos das nações; e reprova os intentos dos povos, e arruína os conselhos dos príncipes; mas os conselhos do Senhor permanecem eternamente e os pensamentos de seu coração passam de geração em geração” (Salmos 32, 10-11).

Deus permitiu aquela grande provação, da qual a Igreja saiu rejuvenescida e confortada. Que nome é hoje mais abençoado, o de Pio VII, o mártir pela liberdade da Igreja ou o de Napoleão I? Quem é mais digno de admiração, quem exerce maior influência sobre os espíritos, o ancião de batina branca ou o imperador vestido de púrpura empunhando o cetro do poder mundial? Este foi o flagelo de Deus. Finda sua missão, Deus o atirou para um canto. No Papa, porém, verificou-se o que Cristo disse a São Pedro: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.” (Mateus 16, 18).

Deus é fiel e imutável nas suas promessas e ameaças. Se às vezes nos quer parecer que os inimigos prevalecem contra a Igreja, lembremo-nos da palavra do divino Mestre: “Estarei convosco até o fim dos séculos”.

“Não há nada neste mundo, que Deus ame tanto como a liberdade de sua Igreja.” (Santo Anselmo de Canterbury).

Sejamos sempre bons e dedicados filhos da nossa Igreja! Amemo-la, defendamo-la e sejamos obedientes aos seus preceitos. Imitemos o exemplo dos fiéis do tempo dos Apóstolos dirigindo preces ardentes a Deus pela prosperidade da Igreja e do Sumo Pontífice.2

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  1. PDF desse livro disponível em: https://archive.org/details/pe-joao-baptista-lehmann-na-luz-perpetua-vol-i_202312 
  2. O dia de hoje é consagrado também à memória dos Santos Donaciano e Rogaciano, Mártires. Estes dois irmãos, naturais de Nantes, morreram dando testemunho pela fé na cruel perseguição do imperador Maximiano Hercúleo no ano de 278. Em outros lugares é hoje celebrada a festa de Santo Ivo, que viveu na Bretanha no século XIII. 

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