20 de junho — São Silvério, Papa e Mártir

Extraído de uma edição de 1928 do livro “Na Luz Perpétua — Leituras religiosas da Vida dos Santos de Deus, para todos os dias do ano, apresentadas ao povo cristão” 1

O pontificado de São Silvério coincide com a ocupação da Itália pelos imperadores bizantinos. A nota característica do seu governo é a firmeza e intrepidez com que defendeu os direitos da Igreja contra a imperatriz Teodora. Eis o fato como os hagiógrafos o relatam.

O Papa Agapito, antecessor de Silvério, tinha deposto o bispo de Constantinopla, Antimo, por este ter defendido a heresia eutiquiana. A imperatriz, fautora da mesma heresia, desejava ver Antimo reabilitado na jurisdição episcopal, desejo que Agapito nunca atendeu. Morto este Papa, Vigílio, diácono romano, apresentou-se à imperatriz Teodora, prometendo-lhe a reabilitação de Antimo se corroborasse sua candidatura ao pontificado. Teodora deu a Vigílio uma carta de apresentação para Belisário, general bizantino, que se achava na Itália, recomendando-lhe que o apoiasse na sua eleição.

Belisário prometeu todo seu apoio logo que tivesse tomado Roma. Entretanto, foi eleito Papa Silvério e como tal reconhecido. A este dirigiu-se a imperatriz, exigindo que fossem reabilitados todos os bispos que por Agapito tinham sido depostos e que fossem anuladas as decisões do Concílio de Calcedônia, concílio que tinha condenado a heresia de Êutiques. No seu ofício arrogante, Teodora ameaçou o Papa com a deposição, caso não acedesse às suas exigências. A resposta de Silvério foi respeitosa, mas negativa. Com franqueza e firmeza apostólicas, declarou à imperatriz que estaria pronto para sofrer prisão e morte, mas não cederia um ponto das constituições do Concílio.

Teodora, furiosa pela resposta que recebera, deu ordem a Belisário de afastar Silvério de Roma e pôr Vigílio na cadeira de São Pedro. Receando cair no desagrado da Majestade, Belisário se prontificou para executar a ordem, mas desejava ter em mãos outros documentos, a pretexto dos quais pudesse proceder contra o Papa. Sua ímpia mulher Antonina tirou-o do embaraço.

Fez chegar às mãos de Belisário uma carta falsificada que trazia as armas e assinatura de Silvério, carta em que o Papa se teria dirigido aos Godos, prometendo-lhes entregar Roma sviessem em seu auxílio. Belirio estava a par do que se passava, bem sabia qual era a autoria da carta. Não obstante, parser obsequioso à sua mulher, citou Silvério em sua presença, mostrou-lhe a carta, acusou-o de alta traição e, sem esperar pela defesa da vítima, ordenou que lhe tirassem as insígnias pontificais e lhe pusessem um hábito de monge assim o mandou para o desterro. No mesmo dia, Vigílio assumiu as funções de Sumo Pontífice.

A consternação indignação dos católicos eram gerais. Só Silvério bendizia a Deus por lhe ter concedido a graça de sofrer pela justiça. O Bispo de Patara, diocese que deu agasalho ao Papa desterrado, pôs-se a caminho para Constantinopla com o intuito de defender a causa de Silvério. Recebido pelo imperador Justiniano, a ele fez a exposição clara das causas ocorridas e lhe mostrou a injustiça feita ao representante de Cristo. Justiniano ordenou que Silvério fosse imediatamente levado a Roma, que a permanência na Metrópole lhe fosse vedada só no caso de ser ele convencido do crime de alta traição. Belisário e o antipapa Vigílio souberam impossibilitar a volta de Silvério para Roma. Apoderaram-se de sua pessoa transportaram-no para a ilha inóspita de Palma ou Pontia. Lá o sujeitaram a um tratamento indigno e sobremodo humilhante. Silvério, porém, ficou firme na sua justa resistência à tirania e usurpação. Longe de reconhecer a autoridade de Vigílio, excomungou-o e deu do seu exílio sábias leis à Igreja. De sua boca nunca se ouviu uma palavra se quer de queixa contra os planos e desígnios de Deus. Ao contrário, no meio dos sofrimentos e provações, louvou e enalteceu a sabedoria e bondade da divina Providência.

Três anos passou Silvério no desterro. Liberato, historiador contemporâneo de Silvério, diz que o santo Papa morreu de fome. Procópio, porém, outro escritor daqueltempo, afirma que foi traiçoeiramente assassinado por ordem de Antonina.

Reflexões 

Em São Silvério temos um modelo de perfeito cumpridor dos seus deveres que não se deixa demover do caminho da obrigação, embora lhe acarrete isto os maiores dissabores, sofrimentos e até perseguição e a própria morte. São Silvério resistiu firme às injustas e criminosas insinuações da imperatriz, sabendo que este seu procedimento provocaria as iras da monarca, como de fato as provocou.

Não é uma imperatritirânica, contra as exigências da qual nós devemos defender os nossos princípios cristãos e católicos. O respeito humano é um tirano ao qual muitos covardemente se curvam, pondo de lado suas obrigações e graves responsabilidades. Superiores há que não se animam a repreender seus súditos, com fundado receio de atrair sobre si a justa censura das suas próprias faltas. Súditos há que, para não cair em desagrado dos seus amos, obedecem às ordens dos mesmos, embora com isso sejam obrigados a praticar as maiores injustiças. Patrões fazem-se cúmplices dos vícios dos seus empregados, não se achando com coragem de os chamar a ordem, com medo destes largarem o seu emprego ou de fazerem mal o seu serviço. Para não aborrecer seus filhos, pais há, que a estes concedem toda a liberdade, não havendo dúvida que assim concorrem para sua infelicidade eterna. Às exigências as mais absurdas e escandalosas da moda cedem-se com a maior naturalidade, embora contra isto se levantem em protesto a consciência, o bom senso, e a moral cristã. Por toda a parte, vemos estas transigências fáceis, indignas, sob todos os pontos de vista reprováveis, à custa da virtude e do caráter. Sejamos sempre observadores do precioso conselho que São João nos dá nas seguintes palavras: “Filhinhos, não ameis ao mundo nem ao que há no mundo. Se alguém ama ao mundo, não há nele o amor do Pai. Porque tudo que há no mundo, é concupiscência da carne, concupiscência dos olhos e soberba da vida, a qual não vem do Pai, mas sim do mundo. Ora o mundo passa, e também as suas concupiscências” (I João 2, 15-17).

{addFootHeader}

  1. PDF desse livro disponível em: https://archive.org/details/pe-joao-baptista-lehmann-na-luz-perpetua-vol-i_202312 

Mais posts