21 de junho — São Luís Gonzaga, Confessor

Extraído de uma edição de 1928 do livro “Na Luz Perpétua — Leituras religiosas da Vida dos Santos de Deus, para todos os dias do ano, apresentadas ao povo cristão” 1

O dia 9 de março de 1568 é a data do nascimento deste grande Santo, tão querido, admirado e venerado pela mocidade católica de que é glorioso padroeiro.

Natural de Castiglione, castelo situado nas imediações de Solferino e Villa Franca, era Luís o primogênito entre oito filhos do Marquês Fernando Gonzaga e de sua esposa Marta Tana di Santena.

Luís (ou Aloísio, como é chamado também) logo que seus olhos se abriram à luz do mundo, veio a ser filho de Deus e de Maria Santíssima. Seu nascimento era acompanhado de circunstâncias tais que se achavam em perigo sua vida e a de sua mãe, razão porque recebeu imediatamente o santo Batismo, fazendo sua mãe um voto à mãe de Deus, consagrando-lhe o fruto de suas entranhas.

Logo que o menino começou a balbuciar as primeiras palavras, notou-se nele uma simpatia extraordinária para tudo que era de Deus. Cinco anos tinha ele apenas e não raras vezes era encontrado num ou noutro cantinho da casa, fazendo com muita devoção suas orações. Muito criança ainda, por ocasião de uma parada militar que se ia realizar em Casale, foi com seu pai para assistir àquele espetáculo. Estas evoluções foram acompanhadas pelo pequeno Luís de um interesse tal, que o mesmo, sem que alguém o tivesse percebido, carregou uma peça de artilharia e deitou-lhe fogo. Pouco faltou para que pagasse com a vida a imprudência, pois a carreta, recuando-se com a descarga, só por um milagre não o apanhou com as rodas. Estando muito tempo com os soldados, era inevitável que os ouvisse pronunciar palavras pouco decentes, que na sua inexperiência começou a repetir sem saber sua significação. Essas duas faltas Luís as chorou toda a vida, como se fossem gravíssimos pecados.

Na idade de sete anos começou Luís perder o gosto pelas coisas deste mundo e se dedicar ao serviço de Deus. Este seu sétimo ano era por ele mesmo chamado o ano de sua conversão, o ponto de sua saída para uma vida mais perfeita. Desde aquela época, cumprindo seu propósito, rezava diariamente, de joelhos, o ofício de Nossa Senhora e os sete salmos penitenciais, devoção esta que nunca mais abandonou, praticando-a até nos dias de doença.

Tendo Luís oito anos, quis seu pai que, em companhia de seu irmão menor, fosse para a corte do duque de Toscana, em Florença. Sua vida edificante, a prática das virtudes, importou-lhe o apelido de anjo. Foi em Florença que Luís fez sua primeira confissão e fê-la com tanta dor de arrependimento, que caiu sem sentidos aos pés do confessor. Em novembro de 1579, partiu Luís para Mântua e de lá para Castiglione.

São Carlos Borromeu, Arcebispo de Milão, numa das suas visitas pastorais, passando por Castiglione, conheceu o santo menino. Descobrindo nele uma compreensão rara das coisas divinas e uma perfeição pouco comum, preparou-o para a Primeira Comunhão, a qual recebeu com uma devoção comovedora. Desde então podia-se notar em Luís uma devoção terníssima ao Santíssimo Sacramento. Recebendo a Santa Comunhão aos domingos, dedicava três dias para se preparar e outros dias para fazer a ação de graças.

Em 1580, foi com sua mãe e seu irmão menor, Rodolfo, a Monferrato, onde se achava D. Fernando. No caminho, havia de passar pelo rio Ticino, cujas águas, pelas chuvas contínuas, tinham crescido extraordinariamente. O carro em que iam Luís e seu irmão, tendo chegado ao meio da torrente, se quebrou em duas partes. A parte da frente pôde com Rodolfo atravessar o rio, quando a outra, em que ia Luís, foi levada pela correnteza rio abaixo. Em tão evidente perigo, manifestou-se a intervenção da divina Providência. O carro, esbarrando-se com o tronco de uma árvore, parou, podendo o náufrago assim ser socorrido e salvo.

Com o contato que Luís teve com os padres Barnabitas, despertou-se-lhe cada vez mais o desejo de pertencer a Deus e se desapegar por completo das coisas do mundo. Debalde o marquês procurava distraí-lo com passatempos. Luís não só não se deixou afastar das suas práticas religiosas, mas ainda as multiplicou, retirando-se quase por completo da sociedade, dos seus divertimentos e prazeres.

Foi também nesta ocasião que tomou a resolução de entrar numa Ordem religiosa. Tendo, porém, apenas treze anos, guardou o maior silêncio sobre este ponto.

De volta para Castiglione, foi Luís novamente salvo de um grande perigo, de perder a vida, desta vez num incêndio que houve no seu quarto. Uma noite, sentindo-se bastante cansado, fora deitar-se, quando se lembrou de que ainda não tinha rezado os salmos penitenciais. Pôs-se a rezá-los, mas, vencido pelo sono, esqueceu-se de apagar a vela, que se achava à sua cabeceira. Por uma eventualidade qualquer, ela pegou fogo à cama. Estava em chamas o cortinado e o colchão, quando Luís despertou-se. Aos seus gritos acudiram os empregados, livrando-o do perigo em que se achava.

No ano de 1581, por um desejo particular da imperatriz Maria da Áustria, esposa de Filipe II, a família Gonzaga transferiu-se para Madrid. O marquês tomou o encargo de camareiro e seus filhos Luís e Rodolfo foram nomeados pajens de honra do príncipe D. Diogo, filho de Filipe II.

Nos dois anos que ali estiveram, Luís continuou seus estudos de matemática, filosofia e teologia natural, adiantando-se bastante nestas matérias. Mais dificuldades achou em continuar as práticas da vida espiritual. Dias havia que tempo não achava para rezar suas orações costumadas e fazer as visitas ao Santíssimo Sacramento. Apesar disto, o santo jovem aplicou-se sempre da mais perfeita modéstia. Parecia ter feito um pacto com os olhos para que não se fixassem em coisa alguma que pudesse comprometer a santa virtude da pureza. Todo o tempo que viveu na corte de Madrid, conservou-os tão mortificados que, sem exagero algum, podia dele se dizer que não reconhecia a rainha dentre as outras senhoras.

Foram de grande importância para Luís os dois anos que passou na Espanha, porque ali se decidiu a grande questão de sua vocação. Embora já tivesse resolvido a entrar em uma Ordem religiosa, existiam ainda dúvidas sobre a escolha que devia fazer. Para obter o conhecimento da vontade de Deus neste particular, mais que nunca se dedicou à oração. Depois de ter comparado as diversas Ordens religiosas entre si, Luís escolheu a Companhia de Jesus como aquela que mais parecia ser de acordo com suas qualidades físicas e intelectuais. Um dia — era o da festa da Assunção de Nossa Senhora — quando estava se preparando para receber a santa Comunhão, ouviu uma voz interior que lhe dizia: “Deves entrar na Companhia de Jesus: comunica logo minha vontade ao teu confessor”.

Obediente a esta ordem, Luís referiu ao confessor o que se tinha passado e fez também sua mãe, conhecedora do seu segredo. Esta experimentou grande satisfação ao saber da resolução do filho; não assim, D. Fernando Gonzaga. Ele, ficando ciente do plano de Luís, tão fora de si ficou, que num ímpeto de cólera, rompeu com palavras ásperas e duras, ameaçando-o até com medidas de excessivo rigor.

Em 1584 a família Gonzaga voltou para a Itália. O marquês lançou mão de todos os meios para fazer seu filho desistir da resolução de entrar numa Congregação religiosa. Para Luís foram anos de amargura e de sofrimento horrível. Quanto maiores pareciam as dificuldades que se levantavam contra a realização de sua ideia, com tanto mais fervor se dedicava à oração e às costumadas penitências. O pai, vendo que nada alcançava com meios persuasivos, recorreu à medidas de rigor, chegando ao ponto de expulsar seu filho de casa. Não faltaram pessoas que, interessando-se pela causa de Luís, falaram a D. Fernando em seu favor. Este só se deixou convencer da vocação de seu filho quando, após uma cena violenta, foi testemunha ocular de uma das penitências que seu filho costumava sujeitar seu inocente corpo. Perturbado, comovido e arrependido de sua excessiva austeridade, resolveu afinal conceder o seu consentimento. Antes, porém, de Luís tomar o hábito de religioso, quis a vontade do pai que fosse a Milão tratar de negócios importantes. Nove meses durou sua estadia naquela cidade. Durante esse tempo todo, Luís não perdeu ocasião de calcar aos pés as vaidades do mundo. Sendo obrigado muitas vezes a acompanhar os nobres fidalgos em suas festas e diversões, sempre o fez de um modo tal de tirar proveito para sua alma. Todo o tempo que ficava à sua disposição, dedicou-o só às práticas da piedade, mais ainda ao estudo de física e matemática no Colégio Brera, dos Padres da Companhia.

Luís julgava chegado o momento de sua renúncia oficial de todos os seus direitos para entrar na Companhia de Jesus, quando, de surpresa, chegou em Milão D. Fernando, fazendo novamente oposição à realização de seu plano. Desta vez não foram ameaças e imprecações as armas de que o marquês se serviu. Deixou falar o coração paterno, que na sua amargura e nos sentimentos de pai cristão apelava ao coração do filho. Luís ficou firme, mas teve de permitir que um sacerdote da Companhia de Jesus, durante uma hora, estando o pai presente, o examinasse sobre a vocação. Embora o resultado deste exame fosse favorável ao santo jovem, D. Fernando ainda não se animou a dar seu consentimento. Luís, entretanto, aumentando suas penitências e orações, preparou-se para a luta decisiva. Um dia, estando o pai de cama, por causa da gota, Luís entrou no quarto e em tom firme e resoluto, disse-lhe: “Senhor, meu pai, entrego-me inteiramente às vossas mãos, mas protesto-vos que Deus me chamou para a Companhia de Jesus, e que, opondo-vos a este desígnio divino, resistis à vontade de Deus”. Sem esperar resposta, saiu do quarto, deixando ao pai tempo para refletir. Este, então, começou a sentir escrúpulos por causa da sua resistência; chorou largo tempo, entregando-se à dor por perder tão bom filho. Afinal, mandou que lhe chamassem Luís e disse a este: “Filho, sangra meu coração de dor pela tua resolução. És merecedor de meu amor. Em ti pusera as esperanças da família, mas vendo que é outra a vontade de Deus, vai, meu filho; siga a voz de Deus e te dou muitas bênçãos”.

Em ato solene, na presença dos parentes mais próximos, Luís fez sua renúncia para, no dia seguinte, se separar da família e dos pais. Foi um dia de grande dor para estes. Luís seguiu para Roma, onde se hospedou na casa dum tio seu, Scipione Gonzaga.

Chegou, afinal, o dia desejado que lhe abriu as portas do convento. Luís contava dezessete anos quando foi aceito como noviço da Companhia de Jesus. Modelo de virtude, que fora no mundo, muito mais o era no convento. Desejoso de regular sua vida pelas obrigações da vida comum, pediu aos Superiores que não usassem com ele de nenhuma consideração, querendo ser tratado como um dos últimos da casa.

De acordo com o espírito religioso, reconhecia na obediência o fundamento de toda a virtude. “Durante todo o tempo que com ele vivia, diz o cardeal Bellarmino, nunca o ouvi proferir uma palavra de queixa ou uma observação contra as ordens dos Superiores”.

Para acompanhar o mestre do noviciado, cuja saúde bastante alterada reclamava uma mudança de clima, Luís mudou-se em 1586 para Nápoles, onde permaneceu apenas um ano, visto que sua constituição debilitada também não se dava com o clima daquela cidade.

Em 23 de novembro de 1587, tendo completado seu noviciado, fez seus votos em Roma para depois continuar seus estudos de metafísica e teologia. Dotado de belo talento e inteligência clara, foram admiráveis os progressos que fez naquelas matérias, apesar de graves indisposições.

Antes do estudo, costumava ajoelhar-se e fazer algumas orações. Antes da aula ia à capela visitar o Santíssimo Sacramento. Em todo este tempo de noviciado como depois, Luís deu belíssimo exemplo na prática das virtudes que transformam o jovem em anjo. Sem dar o menor sinal de ostentação seu exterior traduzia a modéstia, a humildade, a caridade e movia à devoção quantos o viam.

Pela morte do pai de Luís, surgiram graves desavenças entre Rodolfo e Vicente Gonzaga, seu parente e duque de Mântua. As divergências assumiram proporções tais que era de se recear um desfecho desastroso. Nesta emergência, a mãe de Vicente pediu aos Superiores de Luís que consentissem que o mesmo se prestasse de árbitro entre os dois contendores. Luís, com o consentimento de seus Superiores, pôs-se a caminho de Castiglione. Recebido por todos quase que em triunfo, foi, em seguida, tão feliz em suas negociações, que só com uma palavra sua restabeleceu a paz e harmonia.

O ano de 1591 começou com os presságios funestos de grande carestia. Faltando o pão, os camponeses fugiram para Roma. A aglomeração de tanta gente originou uma doença contagiosa que, aliada à fome, semeou a desolação e a morte. Os religiosos da Companhia de Jesus tudo fizeram para aliviar a triste sorte dos pobres doentes. Nas ruas, nas praças, nos hospitais, viam-se os filhos de Santo lnácio socorrer os miseráveis com suas esmolas e sua assistência.

Luís Gonzaga entre eles era um dos primeiros e mais dedicados. Ia de casa em casa pedir esmola aos ricos para os pobres. Não satisfeito com isso, pediu aos Superiores licença para diretamente acudir às necessidades dos empestados e prestar-lhes serviços nos hospitais. Obtida a licença, sua dedicação e caridade não tiveram mais limites.

Sua fraca constituição não resistiu às grandes fadigas e esforços verdadeiramente sobre-humanos que Luís fazia no serviço hospitalar, prostraram-no.

Por revelação divina, conhecia ele que a morte estava próxima. Com paciência angélica suportou os graves incômodos do mal que o tinha acometido. Remédios amargos que se lhe davam, ele conservava-os mais tempo na boca para mortificar o paladar. Tendo alguém instado com ele para que pedisse a saúde e a prolongação de sua vida, respondeu-lhes: “É melhor que eu morra”. A morte não podia amedrontar o angélico jovem. Quando soube que tinha chegado a hora de se preparar para a última viagem, exclamou ele com emoções de alegria: “Eu me alegrei no que foi dito: à casa do Senhor iremos” (Salmos 121). Durante os últimos três dias segurava constantemente o crucifixo e o terço. De vez em quando beijava a imagem de Jesus e seus olhos se enchiam de lágrimas de amor. No seu rosto via-se estampada uma paz celestial — reflexo de sua alma pura e cândida.

Oito dias depois da festa de Corpus Christi, em 21 de junho de 1591, Luís Gonzaga entregou sua alma ao seu Criador. Suas últimas palavras foram os nomes de Jesus e Maria. Treze anos depois de sua morte, vivendo ainda sua mãe, seu nome foi inscrito no catálogo dos beatos. Sua canonização foi em 1726, celebrada pelo Papa Bento XIII.

Reflexões

São Luís Gonzaga é o padroeiro da mocidade masculina, que a ele se deve dirigir para aprender a virtude da castidade, tão agradável a Deus, tão estimada entre os homens, virtude, porém, a cuja prática se opõe toda a sorte de dificuldades, parecendo que o inferno tem um interesse particular em afastar os jovens cada vez mais dos bons princípios da moral procurando neles implantar um desejo louco de liberdade, que quase sempre conduz ao caminho da impureza. Quem quer se conservar casto e puro, deve: 1º, evitar as más leituras, que tratam aberta ou disfarçadamente de assuntos escabrosos; 2º, fugir da ociosidade, que é a causadora de muitos males; 3º, aplicar-se à maior sobriedade no comer e no beber; 4º, fugir das más companhias como da peste; 5º, ter em grande respeito seu corpo, que é um templo do Espírito Santo e tratá-lo sempre com a devida modéstia; 6º, conservar-se sempre no santo temor de Deus. Quem se lembra da presença de Deus em todo lugar, sairá vencedor das tentações, por mais fortes que sejam; 7º, ter em viva lembrança a Sagrada Paixão e Morte de Deus, Nosso Senhor, as grandes verdades da ressurreição da carne e juízo particular e universal. Quem crê verdadeiramente nestas verdades, dificilmente pecará.

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  1. PDF desse livro disponível em: https://archive.org/details/pe-joao-baptista-lehmann-na-luz-perpetua-vol-i_202312 

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