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22 de maio — Santa Júlia, Virgem e Mártir
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Extraído de uma edição de 1928 do livro “Na Luz Perpétua — Leituras religiosas da Vida dos Santos de Deus, para todos os dias do ano, apresentadas ao povo cristão” 1
Era no ano de 439, que os Vândalos, chefiados por seu rei Genserico, tomaram a cidade de Cartago. Com a crueldade que lhes era peculiar, unindo-a ao fanatismo sectário de tiranos que eram, maltrataram os católicos, profanaram os templos, trucidaram os sacerdotes e venderam os cidadãos como escravos. Foi esta também a triste sorte de Júlia, filha de pais nobres, igualmente admirável por uma formosura raríssima, como pelas virtudes verdadeiramente cristãs que adornavam seu coração. Venderam-na a Eusébio, negociante sírio e pagão. A mudança tão radical nas condições de vida: da abastança à pobreza, da veneração ao desprezo, da independência à obediência, da liberdade à escravidão, teria abalado um coração menos forte e privilegiado. Foi nas verdades de sua santa Religião e nas promessas do cristianismo, que Júlia achou um escudo amparador contra estes desapiedados golpes do infortúnio. Foi no seu grande amor a Jesus Cristo, na lembrança de sua pobreza, obediência, humilhação, Paixão e Morte, que encontrou o maior estímulo a uma paciência heroica.
Pela sua mansidão e modéstia, como pela sua atividade e habilidade extraordinárias, fez-se Júlia merecedora da maior estima de seu senhor, e ninguém teria ousado importuná-la. Os seus afazeres eram dedicados à oração ou à leitura espiritual. Quando se sentia oprimida pela tribulação, tristezas ou tentação, beijava um pequeno crucifixo, que trazia escondido no seio e dizia: “Ó meu Jesus, Vós quisestes sofrer, para assim poderdes entrar na vossa glória; compadecei-vos de mim e ajudai-me a sofrer por Vós. Alegremente quero levar os grilhões da escravidão, que me tornam semelhante a Vós e me preparam o caminho da salvação”. Sempre contente e resignada, jejuava todos os dias, com exceção dos domingos, fugia de todos os divertimentos, para alcançar de Deus a graça de conservar a pureza do coração.
Passados uns anos, Eusébio fez uma viagem à Europa e levou consigo diversos escravos, entre eles Júlia. Chegados à ilha Córsega, foram testemunhas de uma grande solenidade que os pagãos celebravam em homenagem aos deuses nacionais. Eusébio e sua comitiva entraram no templo, para de perto poder presenciar os atos cultuais. Júlia, porém, ficou na entrada, onde se ajoelhou e, com os braços em cruz, rezou em voz alta, pedindo a Deus que se apiedasse das pobres almas dos idólatras e as conduzisse ao conhecimento da luz da verdade.
Chamou atenção tal procedimento, e perguntada por uns oficiais do governador, porque não estava no templo, Júlia respondeu: “Cristã que sou, adoro só a um Deus e não ofereço sacrifício a ídolos, que nenhuma veneração merecem”. Os oficiais se incumbiram de relatar ao governador Félix que entre a comitiva de Eusébio havia uma donzela cristã formosíssima, que falava com modo desprezador dos deuses da terra. Ao ouvir isto, Félix, inimigo figadal do nome cristão, formou o plano de se apoderar da escrava Júlia. Para este fim convidou a Eusébio a um banquete. “Porque toleras, perguntou-lhe, que tua escrava Júlia despreze os deuses nacionais e adore o Deus dos cristãos?” — “Em vão têm sido os meus esforços”, desculpou-se Eusébio — “de fazê-la abjurar a sua fé. Ela preferiria morrer a abandonar sua religião. Não mais insisto, porque ela é muito fiel, de uma habilidade extraordinária, em uma palavra: a pérola entre as minhas escravas”.
Bastaram estas referências elogiosas, para no espírito de Félix incendiar-se o fogo de violenta paixão pela escrava. Para obtê-la, propôs ao negociante um preço elevadíssimo ou trocá-la por quatro das suas escravas mais formosas. Eusébio, porém, não a entregou. “Inúteis são as tuas insistências. A fortuna tua inteira não chegaria para adquirir esta joia”.
O que não pôde conseguir pelo ouro, Félix o tentou pela astúcia. Convidando a Eusébio outra vez para um grande banquete, determinou que os vinhos mais deliciosos a este fossem servidos, por escravos de aparência e modos mais sedutores. Eusébio caiu no laço, e vendo-o destituído completamente das suas faculdades mentais, Félix mandou que trouxessem à força Júlia em sua presença. Acostumado a ver satisfeitos todos os seus caprichos e julgando que toda mulher, ainda mais uma escrava, devia estar às suas ordens, começou por elogiar a bondade, mocidade e formosura de Júlia, lastimar sua triste sorte de escrava e acabou por prometer-lhe a liberdade se quisesse sacrificar aos deuses. Júlia respondeu-lhe: “Eu sou livre enquanto servir a Cristo neste mundo, não desejo para mim outra liberdade a não ser esta, de amar a Deus único e verdadeiro e servir-lhe na simplicidade do meu coração. Eu desprezo os vossos deuses e só o pensamento de lhes oferecer sacrifícios horroriza-me; prefiro morrer pela minha fé”.
A resposta de Félix a esta declaração franca foi uma brutal bofetada no rosto de Júlia, que logo em seguida sofreu uma forte hemoptise. “Meu Jesus e Salvador” — respondeu ela com mansidão — “também foi esbofeteado; como é que mereço poder compartilhar esta ignomínia?” Félix, cada vez mais enfurecido pela constância da virgem, ordenou que se lhe aplicasse a tortura e fosse flagelada. Júlia, elevando os olhos para o céu, exclamou: “Ó Jesus, Vós fostes cruelmente açoitado e coroado de espinhos; sejais louvado e agradecido, por me terdes dignado de vos ficar semelhante no martírio”. Entre as aplicações da tortura, Félix repetiu sua promessa: “Renuncia a tua fé, sacrifica aos deuses e nada mais sofrerás”.
Júlia respondia com a mesma constância: “Isto nunca farei, ainda que fosse, como Jesus, crucificada”. “Pois não” — replicou o tirano — “terás o que desejas”.
Os verdugos trouxeram uma cruz e Júlia foi, como Nosso Senhor, pregada na cruz. Ó milagre da graça divina! Júlia, no auge da dor corporal, agradeceu a Deus de tê-la dignado sofrer tormento igual à de Jesus Cristo e, como seu divino Mestre, pediu o perdão para seus algozes. “Ó meu Deus! Aceitai este meu sacrifício e tende misericórdia dos meus assassinos”. Depois de algumas horas de atrozes sofrimentos e de uma agonia dolorosíssima, Júlia entregou seu espírito. Pessoas que assistiram à sua morte, viram sua alma, em forma de uma pomba branca, subir ao céu.
Quando Eusébio acordou do seu torpor, mais nada lhe restava para fazer em favor de sua fiel escrava.
Monges piedosos sepultaram o corpo da santa mártir numa igreja em Gorgona. Desidério, rei dos Longobardos, determinou a transladação das santas relíquias para Bréscia, no ano de 763.
Reflexões
Santa Júlia se diz feliz em poder sofrer e morrer como Nosso Senhor. Ficar semelhante a Jesus Cristo, é um sinal de eleição. Tens tu o mesmo motivo de te alegrar? Esforças-te para ficar semelhante ao teu divino Mestre? Em que consiste a semelhança entre ti e Jesus? Jesus ficou obediente e submisso a sua santa Mãe e a São José; ficou obediente, até à morte, a seu eterno Pai. E tu não obedeces nem aos teus pais e superiores, nem à Igreja, transgredindo os seus preceitos. — Jesus Cristo é o modelo de mansidão e humildade. E tu és áspero e duro contra o teu próximo, és orgulhoso e arrogante. — Jesus Cristo era amigo da oração: noites inteiras passava ele rezando. E tu foges da oração, e se rezares, muitas vezes é sem atenção, sem devoção e sem humildade. — Jesus Cristo jejuou quarenta dias e quarenta noites. E tu te queixas do pouco jejum e da abstinência, que a Igreja te impõe. — Jesus Cristo sofreu as maiores injúrias, as dores mais atrozes com uma paciência admirável. E tu te impacientas com a menor contradição, a mais leve contrariedade, e quando tiveres de sofrer algum incômodo ou doença te queixas amargamente de Deus e dos homens. — Jesus Cristo perdoou aos seus inimigos. E tu tens pensamentos de ódio e vingança e mui dificilmente te resolves a perdoar. É isto conformidade com Jesus Cristo? Se continuares deste modo, é certo, que não serás dos eleitos, senão o que diz o Apóstolo: “Porque os que ele conheceu na sua presciência, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho.” (Romanos 8, 29). Começa ainda hoje a imitação prática das virtudes de Jesus Cristo, para tornar-te cada vez mais semelhante ao seu Coração.
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- PDF desse livro disponível em: https://archive.org/details/pe-joao-baptista-lehmann-na-luz-perpetua-vol-i_202312 ↩