26 de maio — São Filipe Neri, Confessor

Extraído de uma edição de 1928 do livro “Na Luz Perpétua — Leituras religiosas da Vida dos Santos de Deus, para todos os dias do ano, apresentadas ao povo cristão” 1

Poucos são os Santos da Igreja tão privilegiados como São Filipe Neri. Filho de pais nobres e piedosos, Filipe nasceu em 1515, na cidade de Florença. De boa índole, seus modos afáveis e sua inclinação à oração, importaram ao menino de 5 anos o apelido de “o bom Filipe”. Um incêndio destruiu grande parte da fortuna de seus pais, e Filipe passou a morar com um primo, que era negociante riquíssimo em São Germano. Este primo prometeu-lhe estabelecê-lo como herdeiro de todos os seus bens, se quisesse tomar a gerencia dos seus negócios. O bom Filipe, porém, pouca inclinação sentia para ser negociante. O que queria, era ser santo, e apesar das repetidas insistências de seu primo, Filipe resolveu dedicar-se ao serviço de Deus. Fez os estudos de Filosofia e Teologia em Roma e começou desde logo a observar a regra de vida austeríssima, que ficou sendo sua companheira até o fim da vida. Seu alimento era pão, água e legumes; para o sono reservava poucas horas, para a oração, porém, muitas.

No seu grande desejo de dedicar-se à vida contemplativa, vendeu sua biblioteca, deu seus bens aos pobres e aprofundou seu espírito na meditação da Sagrada Paixão e Morte de Jesus Cristo. Todo o seu tempo disponível passou nas igrejas ou de preferência nas catacumbas. A graça de Deus tocou seu coração com tanta violência que, prostrado por terra, exclamou muitas vezes: “Basta, Senhor, basta! Retende a torrente das vossas consolações, porque não tenho força para receber tantas delícias. Ó meu Deus, sendo tão amável, porque não me destes um coração capaz de Vos amar condignamente?” Foi nas catacumbas de São Sebastião, no ano de 1545, que recebeu o Espírito Santo, em forma de bola de fogo. Naquela ocasião sentia em si um ardor tão forte de amor de Deus que, devido às palpitações fortíssimas do coração, foram deslocadas a segunda e a quarta costela.

Como o amor de Deus, grande era também seu amor ao próximo. Filipe possuía o dom de atrair todos a si, circunstância para o que concorriam muito sua afabilidade, sua cortesia e modéstia. Recorreu a mil estratagemas, para ganhar os jovens nas ruas e oficinas de Roma. Era amigo de todos e, uma vez tendo adquirido a sua confiança, preparava-os para a recepção dos Sacramentos e os encaminhava para o bem. As noites passava nos hospitais, tratando dos doentes como uma mãe.

O monumento mais belo da sua caridade é a Irmandade da Santíssima Trindade, cujo fim principal era receber os romeiros e tratar dos doentes. Primeiramente trabalhava só com 15 companheiros, que lhe ajudavam nesta sua nobre missão. No princípio de cada mês, convidava o povo para o exercício da adoração do Santíssimo Sacramento durante quarenta horas e nestas ocasiões fazia ele, embora leigo, admiráveis alocuções aos fiéis.

Sua ideia achou eco entre a população, e abundantes corriam as esmolas para sua nova instituição. Cardeais, Bispos, Reis e Príncipes, Ministros, Generais e Princesas, viam grande honra em poderem pertencer à esta Irmandade. Têm-se visto exemplos de Papas, ao lado de jovens cristãos e em companhia dos Filhos de São Filipe Neri, se ajoelharam diante de pobres doentes, para lhes lavar e pensar as feridas. Milhares de peregrinos acharam hospedagem e tratamento gratuito por três dias, principalmente durante a Semana Santa e o Jubileu. O movimento dos romeiros no ano jubilar de 1650 foi extraordinário. A Irmandade hospedou naquele ano 334.453 romeiros e mais de 600 pessoas estavam diariamente em serviço da Irmandade, para atender às necessidades de tanta gente.

Seguindo o conselho do seu confessor, Filipe recebeu o Santo Sacramento da Ordem, tendo já trinta e seis anos de idade. Seu desejo era trabalhar nas Índias, como missionário e morrer mártir pela religião de Cristo. Pela vontade de Deus, porém, sua Índia havia de ser Roma, e lá ficou.

Deixando-se guiar pela Providência Divina, tornou-se o Apóstolo da capital da cristandade. Sua obra principal é a fundação da Congregação do Oratório, isto é, Congregação da Oração, para a qual chamou homens igualmente distintos pelo seu saber e por sua piedade, como César Barônio, Antônio Maria Tarugi, Antônio Galônia e outros. Todas as noites fazia conferências espirituais, que tinham grande concorrência. Cardeais, Bispos, sacerdotes e leigos, se confiavam à direção de quem veneravam como a um pai.

Algumas vezes no ano, com preferência nos dias de carnaval, organizava grandes procissões, que visitavam as sete igrejas principais de Roma. Para afastar o povo dos teatros e divertimentos perigosos, realizou os oratórios espirituais, isto é, representações teatrais de cenas bíblicas. Grande amigo da mocidade, à esta proporcionava muitas diversões e passeios. Era edificante ver o ancião de 70 anos, quando levava centenas de moços a passeios e excursões; com eles brincava e se divertia. “Diverti-vos à vontade, contanto que não pequeis”, eram as palavras com que os animava.

Grande parte do dia passava no confessionário, e só a Deus é conhecido o número das almas que a seus pés acharam a paz, o perdão e a salvação. Todos tinham-lhe uma confiança ilimitada. Ilimitada, porém, era a inveja e o ódio de Satanás e de seus serventes. Filipe e seus confrades tiveram que saborear por muitas vezes o escárnio, a calúnia e perseguição. O ódio dos inimigos chegou a tal ponto, que levaram uma acusação falsa à autoridade eclesiástica, de que resultou para Filipe a sua suspensão de ordens. Privado da celebração da Santa Missa, da pregação e da administração do Santíssimo Sacramento, o Santo não perdeu sua calma e só dizia: “Como Deus é bom, que me humilha!” A suspensão foi retirada, e o inimigo principal do Santo, caindo em si, fez reparação pública e tornou-se seu discípulo.

Pelo fim da sua vida já não lhe era possível dizer a Santa Missa em público, tanta era a comoção que lhe sobrevinha na celebração dos santos mistérios. Estando no púlpito, as lágrimas lhe embargavam a voz quando falava do amor de Deus e da Paixão de Cristo. Quando celebrava a Missa, e chegando à santa Comunhão, pelo espaço de duas a três horas ficava arrebatado em êxtase, enquanto seu corpo se elevava à altura de dois palmos. Não é para admirar que o Papa o consultasse nos negócios mais importantes e quisesse lhe beijar as mãos e a batina.

À sua prudência e clarividência deve a França a felicidade de ter ficado país católico. Henrique IV, calvinista, tinha abjurado a heresia e entrado na Religião Católica. No ardor das guerras civis, tornou a voltar ao calvinismo, para depois outra vez se agregar à Igreja. O Papa Clemente VIII, com o apoio dos Cardeais, negou ao rei a absolvição e se opôs à sua reconciliação. Filipe, prevendo a apostasia da França, no caso de o Papa persistir na sua resolução, fez jejuns e orações extraordinárias e pediu a Barônio, que era confessor do Papa, que o acompanhasse nestes exercícios, para alcançar a luz do Divino Espírito Santo. No terceiro dia de manhã, disse Filipe a Barônio: “Hoje o Papa te pedirá em confissão; depois da confissão, antes de lhe dares a absolvição, diga-lhe: O Pai Filipe ordenou-me a negar a V. Santidade a absolvição e lhe declarar que não continuarei a ser seu confessor, se não conceder absolvição ao rei da França”. Assim se fez. Clemente VIII, profundamente impressionado com esta declaração, pediu a absolvição com a promessa de pôr tudo em ordem. Henrique IV obteve a absolvição do Papa e foi solenemente recebido no seio da Igreja.

Fatigado e exausto de trabalhos e alquebrado pela idade, Filipe foi acometido de grave doença. Tendo-o examinado quatro médicos, estes saíram do quarto desanimados, quando ouviram o doente exclamar: “Ó minha Senhora, ó dulcíssima e bendita Virgem!” Foram ver o que tinha acontecido, e encontraram o Santo o qual, elevado sobre seu leito e, com os braços em êxtase, exclamava: “Não sou digno, não sou digno de vós, ó dulcíssima Senhora, vindes me visitar!” Os médicos respeitosos se aproximaram e perguntaram ao doente pelo que sentia! Este, voltando a si, e tomando sua posição costumeira no leito, perguntou: “Não a vistes, a Santíssima Virgem, que me livrou das minhas dores?” De fato se levantou completamente curado e viveu mais um ano. Tendo predito a hora da sua morte, Filipe fechou seus olhos para este mundo no dia 26 de maio de 1595. Seu túmulo foi glorioso e poucos anos depois da sua morte, Filipe foi beatificado pelo Papa Paulo V em 1622 e canonizado por Gregório XV.

Reflexões

Vários conselhos de São Filipe:

1. A obediência é o caminho mais curto da perfeição. Quem deseja fazer progressos na vida espiritual, sujeite-se à direção judiciosa de um confessor prudente e virtuoso, ao qual, com toda a sinceridade, manifeste o estado de sua alma e não tome nenhuma resolução, sem antes ouvir o seu conselho.

2. Antes de tomar um confessor, convém lembrar-se do seguinte: Tendo-se feito a escolha, não se deve mudar de confessor, a não ser por motivos de força maior, e é preciso que se lhe dê toda a confiança. Quando o demônio não consegue perder uma pessoa, envida todos os esforços para semear desconfiança entre o confessor e o penitente, sabendo, que assim, com muita probabilidade, alcançará seu fim.

3. A Santíssima Virgem deve ter todo o nosso amor: “A devoção a Maria é de grande necessidade, por não haver meio mais seguro de obter as graças divinas a não ser pela intercessão da divina Mãe”.

4. Principiantes na vida espiritual devem meditar muito os novíssimos. Quem não descer ao inferno enquanto viver, corre perigo de nele entrar quando morrer.

5. O maior perigo que existe para a inocência, é não temê-lo. Tudo está perdido para quem não desconfia de si e quem não teme.

6. Se alguém, que muitos anos viveu religiosamente, tiver a infelicidade de cometer um erro grave, não há meio mais seguro dele se levantar, que manifestá-lo a um amigo, que tem toda a sua confiança. Em atenção a este ato de humildade, Deus o restabelecerá no seu estado antigo.

7. São Filipe deu o seguinte conselho a uma pessoa que se queixava da sua cruz: “Meu filho, a grandeza do amor que se tem a Deus, é medida pela grandeza do desejo de sofrer muito por amor de Deus; quem se impacienta com a sua cruz, achará uma outra mais pesada; convém fazer da necessidade uma virtude. Os sofrimentos deste mundo são a melhor escola do desprezo do mundo; quem não se matricular nesta escola, merece dó, porque é um infeliz.

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  1. PDF desse livro disponível em: https://archive.org/details/pe-joao-baptista-lehmann-na-luz-perpetua-vol-i_202312 

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