27 de novembro — Nossa Senhora das Graças e a Medalha Milagrosa

Extraído de uma edição de 1935 do livro “Na Luz Perpétua — Leituras religiosas da Vida dos Santos de Deus, para todos os dias do ano, apresentadas ao povo cristão” 1

O ano de 1930 marcou o primeiro centenário da Manifestação da Imaculada Virgem Maria, que do céu veio trazer-nos o seu retrato na Medalha bendita, à qual, por causa dos seus prodígios e milagres, o povo cristão deu o título de Milagrosa.

Por ser pouco conhecida a sua origem, vamos dar um resumo dos fatos que se deram em 1830. Assim melhor poderá apreciar-se tão celestial favor, com mais devoção será procurada a Santa Medalha e mais entusiástica e santamente será celebrada a sua data anualmente.

Não é a Medalha Milagrosa como muitas que se têm inventado para representar os títulos e invocações de Maria Santíssima, medalhas dignas de respeito e veneração pelo que representam, mas que não têm outra origem mais do que o gosto do artista que as fabricou ou o fervor do santo que as divulgou.

Não assim a Medalha Milagrosa; é ela um rico presente que Maria Imaculada quis oferecer ao mundo no século XIX, como penhor dos seus carinhos e bênçãos maternais, como instrumento de milagres e como meio de preparação para a definição dogmática de 1854.

Foi na Comunidade das Filhas da Caridade, fundada por São Vicente de Paulo, que a Santíssima Virgem escolheu a confidente dos seus desígnios, para recompensar, de certo, a devoção que o Santo sempre teve à Imaculada Conceição de Nossa Senhora, e que deixou por herança aos seus filhos e filhas espirituais.

Chamava-se ela Catarina Labouré. Nasceu em 2 de maio de 1806, na Côte-d’Or, na França, e aos 24 anos de idade tomou o hábito das Filhas da Caridade. Noviça ainda, mas muito humilde, inocente e unida com Deus, era ternamente devotada à Santíssima Virgem, a quem escolhera por Mãe desde que, pequenina, ficara órfã; ardia em contínuos desejos de a ver e instava com o seu Anjo da Guarda para que lhe alcançasse este favor. Não foi baldada a sua esperança; entre outras, foi bem célebre a aparição de 18 para 19 de julho de 1830, em que Nossa Senhora a chamou à Capela e com a Irmã se dignou conversar por algumas horas, anunciando-lhe o que em breve aconteceria, enchendo-a de carinhos e consolações.

Mas a mais importante das aparições foi a do dia 27 de novembro de 1830, sábado antes do primeiro domingo do Advento. Nesse dia, estando a venerável irmã na oração da tarde, nessa Capela da Comunidade, rua du Bac, Paris, a Rainha do Céu se lhe mostrou; primeiro, junto do arco cruzeiro, do lado da epístola, onde hoje está o altar da “Virgo Potens“, e depois por detrás do Sacrário, no altar-mor. “A Virgem Santíssima, diz a Irmã, estava de pé sobre um globo, vestida de branco aurora, com o feitio que se diz à Virgem, isto é, subido e com mangas justas; véu branco a cobrir-lhe a cabeça, manto azul prateado que lhe descia até aos pés; o cabelo em tranças, seguro por uma fita debruada de pequena renda, sobre ele pousava; o rosto bem descoberto e de uma formosura indescritível. As mãos, elevadas até à cinta, sustentavam outro globo, figura do mundo, rematado por uma cruzinha de ouro; a Senhora toda rodeada de tal esplendor que era impossível fixá-la; o rosto iluminou-se-lhe de radiante claridade no momento em que, com os olhos levantados para o céu, oferecia ao Senhor esse globo”.

“De repente, os dedos cobriram-se de anéis e pedrarias preciosas de extraordinária beleza, de onde se despediam raios luminosos para todos os lados, envolvendo a Senhora em tal esplendor que já se lhe não via a túnica nem os pés. As pedras preciosas eram maiores umas, menores outras, e proporcionais eram também os raios luminosos”.

“O que então experimentei e aprendi naquele momento é impossível explicar”.

“Como estivesse ocupada em contemplá-la, a Virgem Santíssima baixou para mim os olhos e uma voz interior me disse no íntimo do coração: “Este globo que vês representa o mundo inteiro e em especial a França e cada pessoa em particular”. Aqui, não sei exprimir o que descobri de beleza e brilho nos raios tão resplandecentes. A Santíssima Virgem acrescentou: “Eis o símbolo das graças que derramo sobre as pessoas que me as pedem”.

“Desapareceu, então, o globo que tinha nas mãos; e, como se estas não pudessem com o peso das graças, inclinaram-se para a terra na atitude graciosa reproduzida na Medalha”.

“Formou-se então, em torno da Virgem, um quadro um pouco oval onde, em letras de ouro, se liam estas palavras: “Ó Maria, concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a vós”. Fez-se ouvir então uma voz que me dizia: “Manda cunhar uma Medalha por este modelo; as pessoas que a trouxerem indulgenciada receberão grandes graças, mormente se a trouxerem ao pescoço; hão de ser abundantes as graças para as pessoas que a trouxerem com confiança”.

No mesmo instante o quadro pareceu voltar-se e a Irmã viu no reverso a letra “M” encimada por uma cruz, tendo um traço na base e por baixo do monograma de Maria os dois corações de Jesus e de Maria, o primeiro cercado por uma coroa de espinhos, o segundo atravessado por uma espada; e, segundo tradição oral comunicada pela Vidente, uma coroa de doze estrelas a cercar o monograma de Maria e os corações. Também a mesma Irmã disse depois que a Santíssima Virgem Maria calcava aos pés uma serpente de cor esverdeada com pintas amarelas.

Passaram-se dois anos sem que os Superiores eclesiásticos decidissem o que havia de fazer-se; até que, depois do inquérito canônico, se cunhou a Medalha por ordem e com aprovação do Arcebispo de Paris, Monsenhor de Quélen. Para logo começou a espalhar-se com muita rapidez a devoção pelo mundo inteiro, acompanhada sempre de prodígios e milagres extraordinários, reanimando a fé quase extinta em muitos corações, produzindo notável restauração dos bons costumes e da virtude, sarando os corpos e convertendo as almas. Entre outros prodígios, é célebre a conversão do judeu Afonso Ratisbona, acontecida depois da visão que ele teve na igreja de Santo André delle Frate, em que a Santíssima Virgem lhe apareceu como se representa na Medalha Milagrosa.

O primeiro a aprovar e abençoar a Medalha foi o Papa Gregório XVI, confiando-se à proteção dela e conservando-a junto do seu crucifixo. Pio IX, seu sucessor, o Pontífice da Imaculada, gostava de a dar como prenda particular da sua benevolência pontifícia. Não admira que, com tão alta proteção e à vista de tantos prodígios, se propagasse rapidamente. Só no espaço de quatro anos, de 1832 a 1836, o fabricante Vechette, que foi incumbido de a cunhar, vendeu dois milhões delas em ouro e prata e dezoito milhões de cobre; em Paris onze fabricantes mais venderam outras tantas; em Lyon quatro cunhadores venderam o dobro e em várias outras cidades da França e do estrangeiro se fabricou e vendeu número incalculável de Medalhas. O que não terá sido desde 1836 até agora!

Graças a esta difusão prodigiosa, foi-se radicando mais e melhor no povo cristão a crença na Imaculada Conceição de Maria e a devoção para com tão excelsa Senhora; assim se preparou essa apoteose sublime da Definição dogmática de 1854, que a Virgem Santíssima veio como que confirmar e agradecer em Lourdes em 1858, coroando assim a aparição de 1830.

Em outras aparições subsequentes a Santíssima Virgem falou a Catarina Labouré da fundação de uma Associação de Filhas de Maria, que depois o Papa Pio IX aprovou em 20 de junho de 1847, enriquecendo-a com as indulgências da Prima-primária. Espalhou-se pelo mundo inteiro e conta hoje com mais de 150.000 Associadas. Leão XIII, em 23 de julho de 1894, instituiu a Festa da Medalha Milagrosa com o rito duplo de 2ª classe; em 2 de março de 1897, encarregou o Cardeal Richard, Arcebispo de Paris, de coroar em seu nome a estátua da Imaculada Virgem Milagrosa que está no altar-mor da Capela da Aparição, o que se fez em 26 de julho do mesmo ano. Pio X não esqueceu a Medalha Milagrosa no ano jubilar; em 6 de junho de 1904 concedeu 100 dias de indulgência para cada vez que se diga a invocação: “Ó Maria concebida, etc.”, a todos quantos tenham recebido canonicamente a Santa Medalha; em 8 de julho de 1909, instituiu a Associação da Medalha Milagrosa, com todas as indulgências e privilégios do Escapulário azul. Bento XV e Pio XI encheram a Medalha e a Associação de novas graças e favores.

Que rica e preciosa é, pois, a Santa Medalha que nossa Mãe do Céu nos veio trazer em 1830! E como a devemos estimar e apreciar! Mas crescerá muito mais a nossa estima se soubermos compreender as lições que Maria Santíssima nos quis dar na mesma Medalha; eis-as em resumo: No anverso, vemos a imagem de Nossa Senhora, toda bela, toda bondosa, com as mãos carregadas de raios luminosos, os quais, segundo Ela mesma disse, representam as graças que derrama sobre as pessoas que lhas pedem, e toma cuidado de nos dizer como devemos pedí-las, ensinando-nos a oração: “Ó Maria, concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a vós”.2

A Virgem, toda radiante de luz, calcando a serpente, lembra-nos a sua Conceição Imaculada, e, portanto, a queda original, o Salvador prometido, etc.

No reverso vemos a cruz, símbolo da Redenção. Maria, associada a essa obra divina, mediadora junto de Jesus; a cruz e os dois corações falam-nos de caridade, penitência, mortificação e amor; as doze estrelas lembram o zelo do apostolado e a recompensa que o espera. Não há inscrição deste lado, porque, como Nosso Senhor disse, a cruz e os corações dizem bastante.

Quem não há de procurar trazer, amar, estudar esta Santa Medalha e receber dela todos os frutos de bênção e salvação que Maria Imaculada prometeu e deseja comunicar?

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  1. PDF desse livro disponível em: https://archive.org/details/pe-joao-baptista-lehmann-na-luz-perpetua-vol-ii 
  2. 300 dias de indulgência cada vez que os Associados da Medalha Milagrosa recitarem esta invocação. (S. Poenit. Ap. 30-1-30). 

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